sexta-feira, 22 de maio de 2015

o gato sagrado

no exame de Física é pedido aos estudantes que calculem a energia cinética de um gato em queda, salvo erro, de uma altura de oito metros.
um escândalo. não se admite uma coisa dessas nem por supônhamos.
ainda se fosse um velho de setenta anos, vá que não vá, tolerava -se, agora um gato, nem pensar.
a simples hipótese é inadmissível, um escândalo, a blasfémia por excelência.
aqui, no Estado Islâmico das redes sociais, só resta uma atitude: cortar o pescoço a quem teve a ideia de, num terrível exercício, fazer de um gato uma cobaia da matemática física.
não se admite.
é que um gato pode perfeitamente cair de uma altura de oito metros. mas só no real-real. no reino do real faz de conta, o Estado Islâmico das redes sociais não deixa.

longe vão os tempos da cantilena infantil "atirei cum pau ó gato-to-to, mas o gato-to-to não morreu-reu-reu. dona Chica-ca 'dmirou-se-se do berro, do berro co gato deu: miauuu!!"
mas bem sei que no Antigo Egito o gato era um animal sagrado, intocável, portanto.

o país melhor e os cofres cheios

21 de maio.
um homem foi presente a tribunal para primeiro interrogatório judicial.
perdeu o trabalho e a casa, tendo sido despejado.
abandonado e na rua, fez três assaltos com uma faca que trouxe da casa perdida.
entregou-se à polícia e confessou os crimes.
pediu que o levassem preso, já que não tem que comer nem onde dormir.
etc e tal, o país está melhor e os cofres estão cheios.

a herança

era uma casa em ruínas, num belo lugar da cidade.
as últimas habitantes, duas tias solteironas, já tinham morrido há que tempos.
foi saqueada e ocupada por imigrantes ilegais, a quem tiveram que mover ações de despejo, antes que, ainda por cima, viessem alegar usucapião.
a ruína sucumbia lentamente ao avanço das ervas, árvores, arbustos e bichos. era já mais um matagal do que uma casa propriamente dita.
chegou a hora do adeus, de decretar o fim, de assinar a certidão formal de um óbito recesso.
mais de vinte herdeiros foram dividir entre si os insignificantes despojos, a ridícula "herança".
foi-se a casa e a ruína, ficaram as memórias de quem as tem. e eu tenho muitas.
essa é a verdadeira herança, a que não pode vender-se nem apagar-se por um qualquer novo empreendimento em seu lugar.
adeus, casa do tio cónego!



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a casa ficava meio escondida num declive junto à estrada onde, naquele tempo, o elétrico subia numa chiadeira cansada. um belo dia, no elétrico viajavam o meu tio e um amigo, engenheiro, pessoa importante da cidade. diz o amigo para o meu tio:
- ó senhor cónego, a sua casa está mesmo escondida, quem vai de elétrico mal lhe vê o cume...
e o meu tio, sem pestanejar:
- ó senhor engenheiro, e quem vai de elétrico tem muita sorte, porque quem vai a pé nem o cu-me vê...

quinta-feira, 14 de maio de 2015

o que vale o contrismo

cada vez é mais evidente qual é o sentimento que motiva toda a argumentação e contra-argumentação, toda a lógica e falta dela, toda a invenção de factos e todas as mistificações do contrismo. 
antes do mais, a maioria dos contristas nem sabe do que está a falar e nem sequer domina a ortografia que defende. escreve "à" onde deveria escrever "há" e vice-versa. escreve "dá-mos" por "damos" e vice-versa. escreve "pertende" por "pretende" e outras maravilhas. não tem lógica nem conhecimentos para o que afirma. não estuda nada. só sente. só tem sentimentos. 
e é aqui que a coisa se esclarece definitivamente. eles são contra um acordo com o Brasil. porque os brasileiros "não falam bem português", porque o Brasil é subalterno em relação a Portugal, porque no Brasil só há "ignorantes e analfabetos". sim, porque em Portugal os ignorantes e analfabetos não são ignorantes nem analfabetos, são patriotas. 
em suma, se alguém tinha que mudar, e sozinho, seria o Brasil. para se submeter a uma norma "portuguesa" que deriva da norma unilateral criada em 1911 pela República Portuguesa e não pelo Brasil. 
é o chauvinismo, a xenofobia e o colonialismo recesso no seu melhor. eis o que vale o contrismo.

sexta-feira, 8 de maio de 2015

os votos inúteis

mais umas eleições, mais uma vitória conservadora.
num momento de crise gravíssima, tanto a nível económico, como institucional e de valores, podemos perguntar: como é possível que o partido, ou coligação, do poder se mantenha incólume? antes do mais, porque o segundo partido, em geral social-democrata ou socialista democrático, não é visto como uma alternativa séria. os eleitores veem-no como farinha do mesmo saco, ou seja, mais do mesmo, apenas com ligeiras diferenças éticas, estéticas e linguísticas.
multiplicam-se as alternativas redentoras, as receitas gerais, regionais, locais e particulares, as opções pela não-política, como o partido dos gatos e dos cães, o partido verde, amarelo, cor-de-rosa e arco-íris, o partido do pinto ou do morais.
perante a inutilidade destes votos em termos de uma real alternativa política, vai o status quo passando pelos buracos da chuva.
é claro que os eleitores devem saber o que fazem e perceber que num momento destes o melhor é votar no mal menor. que todas as alternativas redentoras não passam de cheques em branco aos que mandam hoje.
mas é preciso que o partido do mal menor nos convença de que o voto nele é um voto útil. caso contrário, como diz o outro, "pra pior já basta assim".
é o que dizem os votantes quando votam inútil.
mas, apesar de tudo, ainda não é o que eu penso.