sexta-feira, 27 de junho de 2014

in dubio pro mulieribus

passei uma boa parte da tarde de hoje em conversa com o advogado de um paciente meu. 
um advogado sénior, simpático, sensível e decididamente muito interessado pelo seu cliente. 
trata-se de um daqueles casos tenebrosos de regulação do poder dito "paternal", após um divórcio conflitual. e da intervenção de uma interminável panóplia de técnicos e pareceres, nem sempre isentos, nem sempre imparciais. 
a páginas tantas do processo, o pai (neste caso o meu paciente e cliente do advogado) é impedido de contactar o filho, não pode estar com ele vai para dois anos. 
no processo adensam-se as "provas" e "reprovas" contra as más "vibrações" que a presença do pai provoca junto do filho. 
filho que, no dizer do pai, acaba por ser um "órfão de pai vivo". 
o pai sofre visivelmente. sofre. extremamente ansioso, deprimido, mas obstinado em conseguir voltar ao contacto com o filho. 
quer simplesmente ser pai. mas as coisas estão longe de ser fáceis. a mãe opõe-se. 
e a cultura jurídica portuguesa não o favorece. 
a mãe não quer e pronto. 
in dubio pro mulieribus. 
amen.



a Língua portuguesa "faz hoje 800 anos"

há notícias que conformam um não sei quê de ridículo, e esta é uma delas. 
de acordo com jornais, deputados, intelectuais e que tais, hoje, 27 de junho de 2014, "a língua portuguesa comemora 800 anos". 
é que, nesta data, há 800 anos atrás, o nosso rei D. Afonso II mandou redigir o seu testamento em língua vernácula, isto é, em Galego-português, coisa que aconteceu pela primeira vez, já que até aí os documentos oficiais eram escritos em Latim medieval. 
mas isso tem que ser visto no seu significado e no seu contexto. porque, senão, parece que "faz hoje oitocentos anos" que alguém se lembrou de inventar do nada uma língua nova. 
a mim e a muito boa gente parece outra coisa: parece-me que se Afonso II se lembrou de redigir o seu testamento em língua vernácula é porque esta já existia muito antes e já ninguém entendia o latinório medieval dos tabeliões sem recurso a especialistas. 
quanto à nossa língua, bom, é muito mais antiga que isso. uma coisa é a escrita de documentos oficiais, outra coisa, completamente distinta, é a língua falada efetivamente no dia a dia das pessoas. o próprio rei D. Afonso, certamente, não a mandou inventar de propósito para o seu testamento. há até quem diga que a falava desde que deixou a chucha. e aposto que vai ser muito difícil dizer quando é que a nossa língua começou a ser falada. porque a nossa língua não faz anos, fala-se.


PS: o que D. Afonso II fez foi uma opção política entre a língua "litúrgica" e a língua vernácula em documentos oficiais, um processo recorrente ao longo da história, quer em assuntos civis quer em assuntos religiosos. por exemplo, as Igrejas Coptas mantêm o Copta como língua litúrgica, apesar de extinta há quatro séculos e apesar de os fieis falarem Árabe; já a Igreja Católica Romana, nos inícios dos anos 60 do século XX, por ação do Concílio Vaticano II, substituiu a língua litúrgica, o Latim, pelas línguas vernáculas faladas em cada país. ora, as línguas vernáculas já lá estavam e continuaram. o que acabou foi o Latim. por isso se pode afirmar que o testamento de D. Afonso II não marca o nascimento do Galego-português, o que marca é a morte do Latim (medieval) como língua tabeliónica em Portugal.



terça-feira, 24 de junho de 2014

o Assis

o Assis, mui previdente,
com a política à míngua,
sofreu um grande acidente:
o gato comeu-lhe a língua.

o Assis desapareceu,
ninguén' o ouve nem vê.
ou foi um ai que lhe deu
ou ele sabe porquê.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

noite de são joão

deus fez os homens assim
e fez as mulheres assado.
assim como assim
dois rios confluentes:
as mulheres inocentes
e os homens culpados.
no solstício de verão
na noite de São João
anda tudo à martelada
mas que grande confusão
que vai aqui e além
nesta noite abençoada
porque a culpa, entretanto,
não é de ninguém
é do santo.

a matemática

adoro a matemática
a mais fleumática
e a menos certa,
a menos dançante
e a mais acrobática.
adoro a fórmula, a equação,
que até a trovoada tem.
é a linguagem de deus,
ou, se quisermos, também,
o contradiscurso de satã.
ou se quisermos, porém,
a linguagem das coisas
como as coisas são.
umas vezes certas, exatas,
outras incertas e chatas
e outras nem sim nem não.
mas sempre matemática.
até o sexo oral é matemática
e sendo a pensar em Jesus Cristo,
não é pecado, está visto.

domingo, 22 de junho de 2014

atriz foi a Fátima, deus chamou-a e fez-se freira

uma atriz e modelo espanhola foi a Fátima, ouviu o chamamento de deus e tornou-se freira.
eu já fui a Fátima várias vezes e deus nunca quis saber de mim.
isto é, não sei se me chamou se não.
pode ter falado naqueles comprimentos de onda para os quais sou um bocado surdo, surdez que se agrava com o andar da idade.
mas compreendo que haja pessoas que, ouvindo muito melhor que eu, e com ouvidos muito mais jovens, o oiçam de uma forma tão intensa que tenham de o seguir compulsivamente.
não digo isto para fazer pouco, digo isto para fazer muito.
é que, como dizia o filho de deus, quem tem ouvidos para ouvir que oiça, que quem não tem também não tem culpa.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

evolução e progresso

há instituições que falam de progresso e de evolução, mas baseiam-se em princípios, mitos e conhecimentos imutáveis desde há, pelo menos, 6000 anos.
gosto destas contradições. sempre é melhor do que andar às arrecuas.
e não estou a dizer mal dessas instituições. estou a rir-me da ideia de evolução e de progresso.
então hoje em dia estamos num evolução involutiva e num progresso doidos.
e desses mitos antigos (saberes não comunicáveis através de escrita) e saberes e filosofias milenares, a malta de hoje não cheira uma.
não é preciso.
o pessoal contenta-se, na melhor das hipóteses, com guidelines e artigos científicos.
e é preciso andar numa Escola Superior, num mestrado ou num doutoramento. porque, fora isso, nem isso querem saber.

ah, e já me esquecia, e também temos aqueles cromos com a evolução e o progresso na boca e que escrevem pela ortografia antiquada.

adotar animais

tenho visto por aí uns cartazes que apelam à adoção de animais. está bem. não havendo outras prioridades, até que é uma ideia simpática.
mas depois dizem: "e esterilize-o".
e aí a minha cabeça estala.
afinal o amor não é pelos animais, é pelo animal adotado. quero dizer, pelo bibelô que mexe.
até dizem as más línguas (ele há-as a propósito de tudo) que os bichinhos são adotados não para nós gostarmos deles mas para eles gostarem de nós.

ilgas e besilgas

por que razão @ ILGA, a LGBT e aparentados não se constituem em partido político, em lugar de utilizar os partidos "generalistas", designadamente o PS, como barrigas de aluguer?
na CDU (PCP+Os Verdes) há um partido, "Os Verdes", que tem mais de vermelho que de verde. 
mas no PS há Ilgas que são mais ilgas que PSs, quero dizer, mais ilgas que socialistas ou sociais-democratas. 
a questão não é de somenos. 
é que ilgas e besilgas sentem-se no direito de contestar ou condicionar as escolhas de candidatos à Presidência da República, dentro do partido em que "militam", designadamente o PS. 
estão no seu direito. mas que o façam pelo valor que têm. como partido próprio, não em barrigas de aluguer.
assim, comportam-se como um partido "especialista" parasita de um partido "generalista". 
eu não sou contra nem "fóbico" (como agora se diz) seja do que for, não sou é suporte de causas que não são as minhas. eles que exprimam a opinião que têm, que eu trato de exprimir as minhas. 
na verdade, @ ILGA tem todo o direito de existir, expor as suas opiniões e lutar por elas. a democracia é isso. mas confundir @ ILGA com um partido político "generalista", ainda que a título de opinião individual, é não só estapafúrdio como suicida. 
pessoalmente, não tenho nada que ver com as opiniões d@ ILGA, nem a favor nem contra, nem antes pelo contrário. digo é que em questão de defesa dos direitos das mulheres, por exemplo, a ILGA, felizmente, está muito longe de ter o exclusivo. creio até não cometer nenhum erro de apreciação se disser que em Portugal já nem existe ninguém que os não defenda.
e é por essas e por outras que não há PS que me valha. 
faz maus negócios...

terça-feira, 17 de junho de 2014

liberdade de expressão

em questão de direito de livre expressão e democracia, há que ter em conta as opiniões, os palpites e as bocas.
as bocas são as que eu gosto mais de ler e de ouvir. não têm fundamento nenhum, apeteceu dizer e pronto. já os palpites inspiram-me algum temor reverencial, porque vem do fundo do irracional e eu fujo do irracional como o diabo foge da cruz.
finalmente, as opiniões: são terríveis, porque juntam um pouco de boca com um cheirinho de palpite e uma enorme carga de informação e racionalidade.
e ainda por cima temos que as respeitar.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

o estranho casal McCann

o casal McCann tem-nas boas: levanta um processo de indemnização a Gonçalo Amaral no valor de € 1 200 000 e queixa-se de que o malvado, de propósito e à má fé, só entregou na manhã das alegações finais o pedido de renúncia ao seu advogado, fazendo-os, vejam lá, perder dias de trabalho, ter despesas de avião e hotel, táxis, tapas, bebidas e taxes free, e deixar os filhos não sei a quem. 
de facto, o Gonçalo podia ter feito isso antes, a tempo de evitar tanto sofrimento e tantos incómodos e despesas ao pobre coitado do british couple. 
mas não quis. 
e está no seu pleníssimo direito. 
quem levantou o processo não foi ele, foram os McCann. 
que se amanhem.
e que deus tenha piedade deles, porque eu estou-me nas tintas.

domingo, 15 de junho de 2014

o avião abatido

a estória do avião militar ucraniano abatido pelos separatistas pró-russos faz-me pensar. 
o avião militar, como é normal, levava militares lá dentro, os quais, malvadamente, também foram abatidos. se o avião fosse pró-russo seria abatido também com militares lá dentro. mas desta vez, a morte dos militares seria normal, uma consequência direta da guerra. quiçá, com toda a probabilidade, um feito heroico da alma nacional ucraniana, seja isso o que for. 
mas a questão, porém, não é essa.
é a forma como hoje os jornalistas e os mídia dão as notícias. 
não são capazes de relatar coisa nenhuma de uma forma descomprometida, de um jeito independente, sem "parti pris". 
hoje, a primeira coisa a saber em qualquer notícia é quem a dá e a que fação pertence. 
porque se pertence à fação dos "bons", de certeza que os "maus" só fazem barbaridades.





post scriptum: os "bons" quando querem abater um avião recolhem primeiro a tripulação militar, oferecem-lhe um copo, e só depois abatem o avião. e assim é que deve ser. mas com os "maus" é a selva: abatem tudo de uma vez.

domingo, 8 de junho de 2014

tempestades.

há que ter calma, bom feitio e, se possível, experiência.
não se combate uma tempestade com outra.
o bom é abrigar-se e deixá-la passar.
durante as tempestades pode fazer-se mais estragos fazendo alguma coisa do que não fazendo nada.
e, depois, é sempre o mesmo: no fim da tempestade vem a bonança.
e aí é que se vê quem cometeu mais erros ou fez mais coisas acertadas enquanto a borrasca durou.
até porque as tempestades nunca são connosco, são sempre questões entre as forças da natureza.
e digo isto porque às vezes troveja.


a malga de arroz ou a complementaridade das culturas.

certo dia, um homem com ar triste depositava flores no túmulo da esposa recentemente falecida. 
nisto, chegou um chinês sorridente, que gentilmente colocou uma malga de arroz, com dois pauzinhos, na campa ao lado. 
confuso, o homem das flores perguntou: 

 - desculpe a minha curiosidade, mas por que razão é que você trouxe essa malga de arroz e os dois pauzinhos? 
- é para alguém que tenha morrido há pouco tempo. 
- o senhor espera mesmo que algum morto venha comer o seu arroz? 
- claro que sim, quando o seu ente querido vier cheirar o perfume das flores... 






(adaptado de uma estória publicada na internet sem menção de autor)

quinta-feira, 5 de junho de 2014

o gato

tenho uma estória de uma grande amizade com um gato.
andava eu na altura em bolandas com a minha tese de mestrado à moda antiga, que é como quem diz uma tese quase de doutoramento.
à noite, sentava-me à minha secretária a datilografar e a estudar.
o meu gato podia andar por onde andasse, que à hora habitual de eu me sentar à secretária aparecia e vinha por-se a meus pés.
e poucos minutos antes da hora habitual de eu recolher à cama, levantava-se e é como se dissesse: - boa noite!


não precisávamos de mais nada. a nossa amizade era assim.